Solidariedade internacional: cobertura da greve geral boliviana

Diante da importância da luta que está se desenvolvendo na Bolívia disponibilizamos aqui a imprensa que está cobrindo com exclusividade a greve geral dos mineiros bolivianos
Coluna de policiais destacados para reprimir a greve em Caiwasi, na estrada que liga Oruro a Cochabamba

 

A Rádio Nacional de Huanuni, “Voz sindicalista do mineiro boliviano”, reproduziu na capa de seu sítio na internet duas entrevistas produzidas pelo correspondente do jornal Causa Operária, que está na Bolívia cobrindo a greve geral no País.

Além das entrevistas, um artigo (“Os ataques do governo do MAS aos trabalhadores”) também foi publicado em espanhol na página da internet.

Confira na íntegra a cobertura feita pelo jornal Causa Operária sobre a greve geral na Bolívia e visite também o sítio da Rádio Nacional de Huanuni nos links abaixo:

http://www.nacionaldehuanuni.com – Rádio Nacional de Huanuni, Voz sindicalista do mineiro boliviano”

http://www.pco.org.brCobertura completa da greve geral na Bolívia

———–

Direto da greve na Bolívia
As nossas vidas se encurtam dia a dia; comendo pouco e ficando a base da coca e do cigarro”
O correspondente de Causa Operária em viagem à Bolívia entrevista dois diretores do Sindicato de Mineiros de Huanuni, responsáveis pelo Comando de Greve

 Os dois diretores do sindicato mineiro de Huanuni e membros do Comando de Greve entrevistados por Causa Operária
(Foto: Causa Operária)

Edwin Rodríguez: Eu sou o responsável pelo Comando de Greve no Distrito de Huanuni, do Comité de Logística. O companheiro Pedro Almaraz também faz parte do apoio aos companheiros.

O controle da imprensa na Bolívia é mentiroso tanto com o objetivo de mentir para o exterior quanto no sentido de mentir aqui, para a população boliviana. Tentam fazer acreditar que os trabalhadores de Huanuni estaríamos ganhando em torno a 13 mil bolivianos (aproximadamente R$ 4,5 mil). Não é verdade. Temos os dados da empresa que mostram que há salários de 2 mil a 3 mil bolivianos, que são os que predominam.

Os meios de comunicação [a imprensa burguesa] não permitem mostrar a verdade. Para poder transmitir qualquer comunicado cobram um absurdo, além de manipularem as informações. Nós tentamos romper o bloqueio por meio dos órgãos da imprensa independente.

Evo Morales tenta fazer acreditar que quando ele assumiu como presidente, a Empresa Mineira Huanuni estaria em bancarrota e teria sido ele quem a salvou. Isso é uma mentira. Os dados reais, que estão aqui para qualquer pessoa ver, mostram que em 2005, quando tínhamos 800 trabalhadores, havia em janeiro uma produção de 80 toneladas métricas finas, representando US$ 2,120 milhões de lucro. No ano, houve um lucro de US$ 27 milhões, com 800 trabalhadores e uma cotação do estanho de U$ 3,57 (hoje está quase em US$ 10). São estatísticas da própria empresa. Os royalties pagos foram de US$ 422 mil. Os impostos pagos de US$ 3 milhões.

Quando o governo faz propaganda sobre os nossos supostos altos salários também esquece de destacar as nossas condições de trabalho.

Causa Operária: Quais são as condições relacionadas com a insalubridade e a periculosidade?

Edwin Rodríguez: Os gases tóxicos são muito perigosos devido ao uso de óleo diesel nas perfuratrizes. Há os produtos químicos que são utilizados nos explosivos para detonação. Diariamente os trabalhadores vêm os seus pulmões se destroçarem para garantirem os seus salários. Os nossos salários são determinados por preços de contratos que determinam que, no caso de ultrapassagem das metas, há pagamentos adicionais. Ou seja, o mineiro para poder ganhar um pouco mais tem que deixar a sua saúde na mina. As metas são determinadas por produção, por metro cúbico ou linear.

Causa Operária: O salário de um mineiro não é fixo então? Depende da produção?

Edwin Rodríguez: Há um salário básico, mas o salário real depende de avanços, da carga adicional de trabalho. Portanto, depende da produtividade. São preços de contratos que dizem quanto você ganha em relação ao minério produzido.

Causa Operária: O governo tem realizado investimentos?

Edwin Rodríguez: Em outubro de 2006, foram recontratados quase 4 mil trabalhadores, ex-cooperativistas agora, em função dos próprios trabalhadores.

O governo indica que tem dado US$ 25 milhões para poder relançar a empresa, mas não considera que nos deve em torno de US$ 67 milhões por conta de impostos à mineração, além dos vários aportes repassados ao estado anualmente.

Nós chegamos a convidar aos representantes do governo a ficarem dois dias conosco. Às vezes nós descemos à mina às 3h da manhã. e somente voltamos à superfície 12 ou 15 horas depois. Quanto mais produzimos mais aportamos ao Estado.

Causa Operária: E a saúde dos mineiros?

Edwin Rodríguez: A saúde vai diminuindo diariamente. Saímos da mina cuspindo preto. Muitas vezes perdemos o apetite de tão esgotados que ficamos. Somente queremos chegar em casa a descansar para umas horas depois voltar a trabalhar.

Causa Operária: Foi esta situação de enorme penúria o que os levou a impulsionar a greve geral?

Edwin Rodríguez: Sim. Nós nos mobilizamos para melhorar a nossa aposentadoria, mas não é verdade que estejamos pedindo o 100% do que nós realmente ganhamos. Eles não querem nos pagar o que nós realmente aportamos às AFPs (previdência privada). Seria dinheiro diretamente dos trabalhadores.

Causa Operária: O que a grande imprensa tem divulgado é que você receberiam salários seis vezes maiores aos dos demais trabalhadores, que receberiam uma aposentadoria muito menor. Qual é a verdade?

Edwin Rodríguez: O que nós pedimos são os 70% correspondentes à média salarial dos últimos 24 meses. E não são todos que chegam a ganhar 10 mil bolivianos (R$ 3.400). A maioria não passa dos 5.000bs.

A qualidade de vida do mineiro não ultrapassa os 50 os 60 anos de idade. Embora nós estejamos lutando, a maioria dos trabalhadores não poderão disfrutar do que consigamos porque não há mineiros que tenham trabalhado na mina vários anos que hoje tenham 60 anos de idade.

As tabelas que o governo usa indicam que o mineiro viveria até os 80 anos.

Eu tenho 34 anos de idade e estou trabalhando há 12 anos na empresa. Eu já sinto os efeitos da silicose nos meus pulmões há um ano e meio pelo menos. Os que trabalham na perfuração vão morrendo diariamente. Eu não irei viver mais do que 55 a 60 anos; eu já estou sentindo isso hoje. A minha família percebe isso.

Causa Operária: Quando vocês bloquearam a rodovia Oururo-Cochabamba, no distrito de Calhuasi, a polícia os reprimiu fortemente, inclusive encarcerando 300 mineiros. O que vocês poderiam comentar sobre isso?

Edwin Rodríguez: Esse é um assunto delicado porque o governo utilizou enorme recursos para nos reprimir. Somos em torno de 4.700 trabalhadores. O governo utilizou uma quantidade exagerada de policiais. Temos um dado de que teriam sido mobilizados entre 3.000 e 3.500 policiais, a partir de La Paz, Oruro, Cochabamba e Potosí. O objetivo era desmobilizar os companheiros a qualquer custo. O pior é que tem usando bombas e balas de gás, e de borracha, em grande escala. Nos golpearam e nos torturaram. E quanto esses gases custam? Quanto dinheiro esse governo tem gastado para nos reprimir? Um gás que eles lançam custa 250 bolivianos. Eles usaram enormes quantidades.

Um dos nossos companheiros recebeu um disparo a queima roupa no olho diretamente. O olhe dele explodiu.

Causa Operária: E sobre o companheiro que faleceu?

Edwin Rodríguez: O companheiro que faleceu dessangrando-se foi como produto dos golpes recebidos da polícia. Temos aqui o atestado de óbito.

As forças repressivas do governo tem chegado a agredir as nossas companheiras mulheres trabalhadoras. Elas foram golpeadas.

Os companheiros foram obrigados a ficar deitados no chão e com as motos a polícia passava por cima deles. São situação muito desumanas. Nós estamos muito descontentes com esse governo que usa da polícia para amedrontar os trabalhadores.

Causa Operária: A imprensa burguesa propagandeia que supostamente haveria uma trégua de 48 horas, mas eu não consegui ver nenhuma trégua

Pedro Almaraz: A COB nos pediu para fazer um alto nos nossos protestos durante 48 horas para dar lugar a negociações. Nós não queremos afetar a população. Alguns comerciantes acham que somos nós quem os afetamos. Mas, na realidade, eles desconhecem a realidade da mina. Por isso, nós queremos que algum dos ministros use uma das nossas máquinas, da mesma maneira que temos feitos com engenheiros, para que valorizem o que é ser mineiro e sinta um pouco que é trabalhar na mina, mesmo que seja apenas um pouquinho das nossas 14 a 16 horas diárias. As nossas vidas se encurtam dia a dia; comendo pouco e ficando a base da coca e o cigarro.

Causa Operária: Qual é a expectativa de vocês em relação à possibilidade de chegar a um acordo com o governo?

Edwin Rodríguez: Nós esperamos por uma rápida resolução, mas nós nos autogerimos. Eles ignoram essa realidade porque eles são remunerados pelo Estado. Nós recebemos os recursos do nosso trabalho. O pior do que está fazendo o governo é querer que a COB cesse as marchas e bloqueios enquanto chama os camponeses e aos cocaleiros para defender o “processo de mudança”, a defesa da presidente. Mas, na realidade, estão tentando confrontar os trabalhadores. Isso não pode acontecer.

Quando os camponeses levantam a huipala (a bandeira multicolorida dos camponeses), significa a igualdade. Mas quando é levantada contra outros trabalhadores é uma briga entre iguais, entre irmãos; uma confrontação entre trabalhadores bolivianos.

Outro ponto que eu gostaria de esclarecer é que o governo tem dito que esta mobilização seria por causa do IPT [o novo Partido dos Trabalhadores]. Isso não é verdade porque o que nós queremos é continuar aportando recursos a Bolívia para que todos os trabalhadores possamos ser felizes.

Deixe um comentário